Paixão Nacional

“Muito boa noite, amigos! Falamos ao vivo diretamente da Serra Fluminense para a transmissão de uma emocionante e decisiva partida entre Brasil e União Soviética. Este embate é esperado com grande expectativa pela torcida, e não tenho dúvida de que temos grandes emoções pela frente. Junto comigo para esta transmissão, ao meu lado aqui na cabine, Joélson Seicheles. Boa noite, Joélson! O que a torcida brasileira pode esperar do jogo de hoje?”

“Boa noite, Augusto! Bem… a torcida está otimista, está animada, mas meu dever é fazer uma análise imparcial do confronto. Eu não tenho como deixar de reconhecer que o favoritismo é dos vermelhos. A escola soviética é uma das mais fortes do Mundo, eles têm muito mais camisa e muito mais experiência. Mas claro que o Brasil joga em casa, conta com o apoio da torcida e estará bem representado em campo. Uma vitória nossa não chega a ser zebra.”

“Até porque camisa não ganha jogo.”

“Isso mesmo, Augusto. O jogo se decide entre as quatro linhas: são 16 para cada lado e vence quem jogar melhor.”

“…É a análise qualificada de Joélson Seicheles! E aqui, tudo pronto para o início do espetáculo. Todos posicionados, a saída será dada pela União Soviética. E comeeeeça o jogo! Os soviéticos iniciam com uma abertura inglesa, o Brasil responde avançando o peão do rei e segue um galope dos quatro cavalos, todos fechando para o meio campo. A União Soviética avança o peão do cavalo da dama, o Brasil responde atravessando meio tabuleiro com o bispo da dama. Os vermelhos reagem com o seu próprio bispo, abrindo pela direita. E atenção, lá vai o Brasil, o que ele vai fazer… é roque, é roque, é rooooque! As duas equipes movimentam suas peças pelo do campo com cautela, se estudam. Joélson, que análise podemos fazer nestes primeiros lances da partida?”

“Augusto, me preocupa um pouco esse amontoado no meio do campo. O Brasil tem todo o lado direito do seu ataque livre, precisamos explorar este corredor e… olha lá o cavalo deles recuando!”

“Exatamente, vai recuando o cavalo para tentar fechar a esquerda de sua defesa, mas deixou o peão do bispo do rei desguarnecido. O cavalo verde e amarelo está no lance, atenção, correu e comeu! Que beleeeeza!! Sequência do lance, o cavalo soviético fecha a esquerda da sua defesa, e o Brasil… não! não! recua o bispo até o lado do rei. Mas o que é isso? Deixou o cavalo exposto! E tome contra-ataque, a dama vermelha avança até o limite da meia cancha e toma o cavalo brasileiro. Lamentável, lamentável! Mas que bobeira da defesa!”

“Augusto?”

“Fala, Joélson!”

“Mas ainda pode sair alguma coisa boa deste lance. Tem uma avenida pro peão do cavalo da dama subir. Aliás, olha lá…”

“Muito bem observado. E lá vem Brasil! Linda jogada, o peão avança e fica ameaçando um cavalo. Ele é abusado! E os soviéticos que não são bobos escapam com a dama pro meio. E lá vem Brasil! Com tudo para cima do cavalo e comeu!”

“O Brasil vive um grande momento na partida: tem vantagem material e o time está muito bem posicionado em campo. Se não bobear, temos tudo para conseguir uma vitória, que seria um feito histórico.”

“…A opinião de Joélson Seicheles, com seu olhar sempre atento. As duas equipes se movimentam, buscando uma melhor ocupação dos espaços, o Brasil com um posicionamento um pouco mais ofensivo. Mas, ôpa!, a dama verde e amarela ficou desguarnecida, os soviéticos avançaram a sua e tomaram a nossa! Mas o Brasil dá o troco e come a dama vermelha com um peão! A partida segue movimentada. É bispo de um lado, torre de outro; torre de um, bispo de outro.”

“O jogo agora é parelho, e o Brasil tem que manter a vantagem que obteve no começo da partida. Não pode se afobar e sair com todo mundo pro ataque.”

“É isso mesmo! E justamente olha lá onde está o cavalo canarinho: lá na frente, desprotegido! A torre soviética tá no lance, avança e toma o nosso cavalo. É uma pena, é uma pena. E na sequencia do lance é o próprio rei vermelho que ameaça um bispo verde e amarelo, lá vem ele, comeu! O jogo fica dramáááático! Terrível, terrível momento para o Brasil, que tinha o jogo na mão.”

“Mas olha que a torre deles ficou exposta!”

“Sim! Vai Brasil, vai Brasil! Tem uma torre nossa ali perto, e lá vai ela, atropelando a torre soviética! Grande lance, estamos no páreo de novo.”

“Mais do que isso, Augusto: o jogo agora é nosso! Eles não têm mais o que fazer prá virar essa partida!”

“Lindo, lindo! O Brasil aceitou sacrificar algumas peças, mas estava vendo que ia dar o troco adiante! A vitória vai ser nossa, vamos lá, Brasil, vamos lá! Tomamos um peão, a torcida se agita. Outro peão! A torcida grita ‘olé!’ Terceiro peão comido pelo Brasil quase que na sequência! Colocamos eles na roda!”

“Eu disse, ele não tem mais o que fazer, vai ser xeque-mate a qualquer momento.”

“Vai Brasil, tá acabando!, tá acabando!, só falta o mate para fechar a partida. A derrota já está estampada no rosto do adversário. Cavalo prum lado, torre pro outro. Os vermelhos desistem! A vitória é nossa! É Brasil! É Brasiiiil!!!”

(Escrito em junho de 02010 – mas a ideia e os primeiros rascunhos eram de uns 5 anos antes disso.)

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